A Sexualidade a luz da Psicanálise

A SEXUALIDADE A LUZ DA PSICANÁLISE

RESUMO:

Para a psicanálise a sexualidade é pulsional. Com essa tese proferida no texto dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud (1905) situa um sujeito perante a sua posição subjetiva na partilha dos sexos. A con-vocação freudiana mostra que antes de haver uma escolha sexual homo, hetero, bissexual ou metrossexual, há a existência de um sujeito que se constituiu nas trilhas pulsionais, fato que se diferencia da identidade sexual. Em tempos de cartilhas contra a homofobia e discursos a favor dos homofóbicos, a psicanálise mostra que, (sem tirar partido de um ou de outro) o inconsciente é sexual. Seria por este fato (pulsão) que a idéia de sujeito em Freud se desvincula da idéia de gênero sexual. Portanto, nesse texto, trabalharemos o conceito de sexualidade em psicanálise levando em conta as categorias clínicas denominadas: pulsão, sujeito e inconsciente, razão pela qual a psicanálise opera.      

 

1        SEXUALIDADE E PULSÃO

Para Freud (1905) a sexualidade é pulsional. Para chegar a essa conclusão, o autor da psicanálise teve que desvincular a sexualidade humana dos atributos anatômicos e culturalmente circunscritos. Para confirmar essa tese, Freud afirmou que “os sintomas são a atividade sexual dos neuróticos” (1905, p. 155). Outro ponto de vista que sustenta essa idéia é sugerida a partir do trabalho “pulsões e seus destinos” (1915), no qual Freud afirma que o objeto da pulsão é aquilo que varia. (FREUD)

Na citação acima, Freud (1915) comenta que a pulsão não é algo que se fixa a um objeto, logo podemos afirmar com Freud que o objetivo da pulsão não é o objeto, mas apenas a satisfação que o sujeito retira do objeto e de sua falta. É a partir desse ponto de vista que Freud concluiu que a sexualidade humana não está totalmente amparada no anatômico, portanto, a anatomia não é o destino da sexualidade humana.

A publicação do texto “Pulsões e Destinos da pulsão” (1915) é um arremate que Freud dá ao texto dos “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade” (1905) na qual mostrou para a sociedade vienense do século XIX e para a ciência do sexual que a sexualidade é pulsional, pois esta pode se situar para além do corpo do parceiro sexual, de sua anatomia e de uma suposta identidade sexual.

É a partir dessa dissimetria operado pelo pulsional que a sexualidade defendida pela psicanálise incluiu um sujeito no cerne da sexualidade dos seres falantes. Sabemos que a noção de sujeito foi desenvolvida por Jacques Lacan, no entanto, foi Sigmund Freud quem deu prevalência clínica a essa categoria, no qual jamais desenvolveu plenamente.

A partir dessa categoria (sujeito), pensamos que a idéia de gênero sexual e identidade sexual diferem-se da tese freudiana, na qual sustenta a presença de um sujeito que inscreve a sua sexualidade nos desfiladeiros da linguagem. Logo, é a via do sexual em sua relação com o significante que garante um lugar de inclusão para o sujeito no sexual. A tese freudiana mostra que a constituição do sujeito é efeito do sexual e que este sujeito está agenciado pelo que há de sexual no Outro. (o Outro não é um coletivo)

A partir desse ponto de vista, afirmamos com Freud que as identidades sexuais não guardam entre si nenhum saber sobre o sexual e é exatamente por haver uma falta de saber sobre o sexual que as identidades de gênero fabricam modelos sexuais para os humanos. Se o sexual se sustenta na dimensão simbólica e real da sexualidade, o que pode o psicanalista fazer com a dimensão imaginária da sexualidade de gênero? Acredito que a idéia de sujeito, elemento no qual a psicanálise opera, está foracluido (fora-inclusão) dos giros discursivos administrados pelas cartilhas homo-fóbica e pela pedagogia sexual daqueles que defendem ora o discurso homo, ora o discurso hetero-sexual. Seria a partir desse (imaginário) em relação ao sexual que o psicanalista encontra uma via de interrogação?  

Acredito que a entrada do psicanalista nesse giro discursivo se dá a partir do instante em que o analista cidadão lança um olhar perante as tentativas de normatização e criminalização da escolha sexual. Será que o cabo de guerra entre os que são contra ou favor de uma opção sexual garante um lugar para o sujeito e para o sexual? Esse deveria ser o ponto de mira dessa discussão, e penso que seria nesse instante que analista entra. O erro dos que são contra ou a favor de uma escolha sexual se esquecem da dimensão simbólica e real da sexualidade e por isso rivalizam com as escolhas imaginárias de cada um.

O discurso psicanalítico ao levar em conta um sujeito já está levando em consideração o lugar do sexual na constituição desse sujeito. Esse desdobramento implica tanto o sujeito quanto o sexual, pois entendemos que não há sujeito sem a dimensão do sexual. Para a psicanálise, a implicação subjetiva do sujeito perante o sexual dará as coordenadas simbólicas na partilha dos sexos. Trata-se aqui de levar em conta um cidadão da polis, independente de sua escolha sexual, pois cabe a este sustentar a sua escolha perante uma sociedade que não aceita que a alternativa singular (de um) prevaleça sobre a escolha coletiva de outro.  

Acredito que se a escolha é do sujeito do (inconsciente), não cabe eleger discursos de aceitação do coletivo sobre a sua escolha. Por isso, a escolha do sexual é um ato do sujeito e não um ato do coletivo sobre o sujeito. Logo, não penso que aqueles que reinvidicam uma posição sexual para a sua opção sexual, fizeram de fato uma escolha sexual amparada na dimensão simbólica (inconsciente), por isso, nomeio essa reinvidicação das cartilhas de imaginária.

Se a escolha da sexualidade é singular (subjetiva) porque esperar que o coletivo acene um lugar de inclusão para aqueles que se sentem estrangeiros do sexual? À medida que se demanda apelo social pela via da diferença sexual, fica parecendo que algo do sexual não está simbolizado. E de fato não está, pois nem tudo do sexual se simboliza. Sem querer forçar a barra, percebo os entraves que giram em torno do tema das cartilhas homo eróticas. Algo não também não está simbolizado pelas cartilhas.

Em se tratando de sexual, me reporto a Jacques Lacan que afirma no texto, “Diretrizes Para um Congresso Sobre a Sexualidade Feminina” (1960), “por que não dizer aqui que o fato de que tudo o que é analisável é sexual não implica que tudo o que é sexual seja acessível à análise do sexual” (Lacan. 1960. p.739).

Lacan parece querer afirmar que uma análise é a analise do sexual, mas nem tudo do sexual é analisável em uma análise. Por isso, insisto em afirmar que toda escolha sexual é analisável, mas, nem toda posição sexual é analisável em uma análise. Portanto, fica sempre um resto que não cessa de se inscrever no sexual e é por esse fato que há as “realidades sexuais” (LACAN.1964).

 Assim, parece haver algo na posição sexual dos seres falantes que quer reivindicar a porção sexual não simbolizada pela cultura e por isso, insistem em se valer da aceitação do coletivo como lugar de inscrição desse real inerente ao sexual. O que Freud e Jacques Lacan nos deixou como herança teórica serve para afirmamos que haverá sempre uma falta radical que ex-siste e é exatamente por isso que somos todos marcados pelo sexual.       

2. A PSIQUIATRIZAÇÃO DA SEXUALIDADE NÃO GENITAL

Logo no primeiro capítulo dos Três Ensaios “as aberrações sexuais” (1905) Freud exorta a moral sexual que apóia a sexualidade humana na ordem anatômica, fixando então, um objeto para a sexualidade. Nesse caso, a normatização do sexual se ampara na lei do genital com fins de fabricar uma posição sexual normativa. Logo, a posição sexual que escapa a regra é patológica. A proposta discursiva e teórica de Freud visa mostrar que o aberrante da sexualidade é a norma e não o aberrante ditado pela norma. Assim é o conceito de pulsão forjado por Freud que retira o acento patológico prescrito pela norma sexual. O aberrante no sexual é a fixação do sexual a uma norma. Aqui, a norma introduz um objeto fixo para a sexualidade humana.

Na natureza o instinto fixa o animal a um objeto. Diferente da pulsão (em que o objeto é constituído pelo Outro e ao mesmo tempo constitui um sujeito), o objeto do instinto já está dado na natureza, pois o animal não precisa do Outro para constituir um objeto. O objeto do instinto é marcado pela fixidez, por isso ele não varia como o objeto da pulsão. Foi Freud quem vinculou o sujeito do inconsciente ao sexual e foi Lacan que afirmou que “a realidade do inconsciente é sexual” (LACAN).     

O discurso sexista da psiquiatria ao associar o sexual ao anatômico introduziu um apelo jurídico que prontamente produziu uma norma etiológica para o sexual. Diferente desse recorte teórico, Freud (1905) inseriu o conceito de pulsão e retirou o acento patológico do sexual e ao mesmo tempo não desconsiderou a genitalidade, apenas garantiu novas coordenadas simbólicas para a sexualidade humana.

Se com a psiquiatria a microfísica dos prazeres sexuais (Foucault) se associara as relações de saber/poder inerente a norma, será a partir do discurso psicanalítico que a sexualidade se articulará aos conceitos de pulsão, sujeito e inconsciente. A audácia teórica de Freud (1905) mostrou para a ciência do sexual que antes mesmo do sujeito portar um aparelho anatômico, já há a existência de outra cena (inconsciente), na qual tem a função de subjetivar o lugar do sexual para o sujeito. É por esse fato que as identidades de gênero não garantem uma posição sexual articulada com o conceito de inconsciente. Foi por perceber que a identidade sexual está mais associada à noção de eu que Freud (1905) ampliou o seu modelo de sexualidade amparado no conceito de pulsão e inconsciente, lugar onde o sujeito encontra guarida. 

Será a partir dessas perspectivas que Freud afirmará que a sexualidade é infantil. Com essa tese, Freud mostrará que o infantil da sexualidade necessariamente não precisa estar associado à função do aparelho sexual genital. Nesse comentário teórico, Freud (1905) apenas revelará que é a lingua do sexual que constitui o sujeito do inconsciente. O Édipo foi à cena escolhida por Freud para simbolizar esse sexual. Apesar de todo esforço do autor da psicanálise em mapear o sexual, há um resto do sexual que escapa a cartografia simbólica e é a esse não inscritível do sexual que Freud denominou de infantil.

Enfim, a psicanálise mostra que a sexualidade adulta é infantil, pois há algo nessa sexualidade que escapa a norma. Portanto, não basta ela ser infantil para perceber a partir de Freud o efeito da sexualidade infantil na sexualidade dos adultos. O inconsciente freudiano é infantil igualmente ao inconsciente sexual do adulto. Foi Freud que nos revelou que somos todos regidos por esse fluxo desejante denominado inconsciente. Por isso, não seria diferente dizer que é o infantil do sexual que regula a sexualidade dos adultos. Afinal é a criança perversa polimórfica inscrita nos Três Ensaios da Teoria da Sexualidade (1905) que recorta a sexualidade adulta.