A Estruturação do Sujeito

1º TEMPO DO ÉDIPO

O bebê quando vem ao mundo emite um grito diante do vazio proveniente da falta de linguagem, apuro linguageiro no qual a criança se situa, pois nesse momento, ela se posiciona na condição de objeto do Outro materno. Este grito logo recebe uma significação (sentido) que se desdobra no afago, no carinho e na demanda de satisfação da necessidade que a mãe desempenha muito bem. Esta experiência de satisfação primordial comporta traços mnêmicos que irão acompanhar o sujeito em suas experiências de prazer e desprezar por toda a vida.

A relação dialética entre demanda e necessidade reaparece sobre a fórmula do objeto de desejo, a qual o sujeito visa reencontrar. O que o sujeito encontra? Encontra uma suplência daquilo que outrora desejava. Se o grito lançado no ar no momento do nascimento do sujeito recebe uma significação por parte do Outro materno, o desejo não é desejo do ser e sim desejo do Outro. O que se quer mostrar na dialética do desejo é que o sujeito deseja o desejo do Outro em sua constituição subjetiva e que o desejo se articula com a demanda a partir do desejo de demandar algo a alguém. Porém é preciso afirmar que o sujeito não é um ser de necessidade e sim um ser de linguagem que pressupõe seu desejo. Seria pelo viés da linguagem que o corpo se alfabeti za e se subjetiva.

No entanto, o sujeito logo é visto como um ser de necessidade, em seguida recebe um nome próprio que o marcará para sempre, este será chamado a si posicionar diante dos chamados do mundo e do desejo do Outro que o constituiu como sujeito. Ao receber o banho de linguagem proveniente do discurso do Outro, o sujeito é erótizado pelo discurso e pelo olhar desejante da mãe que o deseja e o faz um ser desejante. Nessa trajetória o sujeito adquire virilidade e é posicionado como objeto de desejo materno. Ao si sentir desejada a criança se torna sujeito desejante e por ser sujeito de desejo se lança no mundo em busca de seu objeto que pressupõe a sua completude de ser.

Ao alienar o sujeito (bebê), a mãe completa a incompletude que lhe falta, assim há por parte da mãe e do bebê um gozo em relação à posição que ambos ocupam na dialética do desejo. O neurótico pergunta-se. O que sou no desejo do Outro? Pensando ser a completude que preenche a falta do Outro, a criança pensa ser o (falo) ou qualquer objeto de amor do Outro materno, enquanto o Outro (mãe) pensa ser o filho seu (falo) referente aquilo que lhe falta em sua constituição subjetiva.

A criança se vê através do olhar da mãe e é propriamente o desejo da mãe que o situa como potencialidade imaginária desta. É nessa dialética subjetiva que o sujeito pré-existe, ou seja, é a partir do desejo do Outro que o sujeito se constitui. Pressupondo a alienação do sujeito a partir do desejo do Outro, o sujeito recebe sua significação de objeto do Outro, objeto de gozo do Outro que o invade e o subtrai em sua condição de assujeitamento. Assim é possível conceber que o sujeito aparece primeiro no Outro, significado por sua necessidade de ser, a qual os significantes (as representações) que representam o sujeito tem a função de realizar seu desaparecimento (afânise), que pressupõe o recalque do ser.

Partindo dá idéia lacaniana a qual o sujeito é representado por significantes que representam o sujeito para outros significantes, o sujeito em sua essência de ser é marcado por sua significação que lhe deu origem, seja pelo nome próprio, seja por qualquer outra significação que o determine. Tal significação tem o efeito de operar o desaparecimento do ser a qual precipitasse sobre a cadeia de significantes. Qual o papel da linguagem (significantes) na construção subjetiva?

Conforme Jacques Lacan:

Esse desenvolvimento é vivido como uma dialética temporal que projeta decisivamente na história a formação do indivíduo: O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental. (1998, p.100)

Ao ser posicionado pelo desejo do Outro como objeto (fálico), o sujeito está na condição de nada ser, ou seja, se torna sujeito alienado pelo desejo do Outro. O estádio do espelho tem a função de unir o corpo despedaçado do nascituro pela imagem jubilatória do eu enfrente ao espelho, lugar onde o sujeito se unifica, a qual pode ser relacionado ao olhar desejante da mãe. Poderíamos afirmar que o sujeito é o desejo do Outro?

Tal questão revela que o sujeito só pode ser reconhecido a partir do Outro, a qual designou um nome próprio para o sujeito e o desejou a ponto de inscrevê-lo nas cadeias significantes e que tem a função de representá-lo diante do contato com o laço social. Porém, o que está lá no espelho, é uma maquiagem de ser, trata-se de uma armadura ortopédica motriz com fins de representar o sujeito a partir dos significantes lingüísticos. É por isso que o sujeito é uma construção subjetiva constituída pela lei do discurso.

Estando preso na cadeia de linguagem, o eu do sujeito se projeta no mundo narcísico. Assim o eu é o reflexo do sujeito nos objetos do mundo, a qual a realidade para o homem é modelada á sua imagem. Diante disso, a construção da subjetividade que supõe a o homem, se dá a partir do conhecimento a qual tem acesso o “eu” que é sempre imaginário, alienado, pois aí o sujeito não se dá conta de sua falta-a-ser.

Para se constituir o sujeito tem que passar pela demanda do Outro. Isso se dá através da relação especular com o Ideal do Eu que tem a função de dar consistência imaginaria ao eu ideal. Nessa relação especular o sujeito é falicizado (erótizado) pelo desejo do Outro materno. Essa operação (falicização) é referente à libidinização do sujeito. Assim a linguagem tem uma dupla função: uma que dá consistência ao sujeito através da nomeação e dos significantes que o representam como sujeito, para logo em seguida cumprir a função alienante. A alienação é produto do discurso do Outro, essa é uma trilha a qual o sujeito deverá passar para que possa realizar um salto na trilogia do significante e como tal se constituir com o sujeito dividido pela linguagem.

Este acontecimento subjetivo não se da em tempo cronológico e muito menos a um efeito de maturação de fases como tenta a psicologia do desenvolvimento descrever. A construção do projeto subjetivo do sujeito segue um tempo lógico a qual o Outro está sempre implícito na subjetivação do sujeito. Assim, o que o (nascituro) deseja não é a mãe e sim o que esta deseja. Como afirmará Lacan, “É um desejo de desejo” (1998, p. 205), assim o desejo primordial, ou seja, o desejo da mãe, é constituído de tal maneira que seu desejo possa ser desejado por um Outro que é o filho.

E o que a mãe deseja? Deseja resolver sua incompletude através de seu objeto de desejo, ou seja, o filho que se situa e é situado pela mãe como objeto fálico que preenche sua inconsistência de ser. Poderíamos pensar que a criança tenta conceber-se como objeto de desejo da mãe a fim de realizar-se em sua satisfação? Sim, pois é a partir do desejo da mãe que o eu da criança se constitui. Assim, é notório que o eu latente no discurso da criança, venha se constituir no nível do Outro, relação especular que dá função ortopédica ao corpo. A possibilidade de construir um movimento psicomotor só se fará possível através da constituição de um corpo erógeno, sem isso não será possível angariar ao estatuto de um esquema corporal adequa do. A grande dificuldade de lateralização psicomotora provém do não cruzamento entre esquema corporal e imagem inconsciente do corpo. Nesse caso, propomos que há primeiramente a construção de um corpo anatômico, esse que o saber médico gosta de cortá-lo, no entanto, não devemos esquecer que há um corpo erótico habitado pelos desejos e por uma singularidade impar. É aqui que o corpo-oral pré-existe como devir.

 

2º TEMPO DO ÉDIPO

É no segundo tempo do Édipo que um estranho (Pai) entra para abalar a in-completude da mãe e restabelecer a castração desta pela via da privação do objeto de amor (Filho), que outrora estava situado como objeto que preenchia sua falta-a-ser. No segundo tempo do Édipo o pai se faz pressentir como proibidor, instaurador da lei a qual se faz ouvir a mãe, cuja função é transmitir a interdição ao filho através de seu dito. No primeiro tempo do Édipo o discurso materno aparece em estado bruto, sem a interferência paterna, agora, no segundo tempo, é preciso que o discurso paterno tenha a função de intervir efetivamente no discurso da mãe.

As palavras do pai têm a função de barrar o que conhecemos por instinto materno ou para ser mais preciso, é a proibição paterna que permite que o sujeito (criança) não seja devorado pelo desejo da mãe. É nesse ponto que a criança é abalada em sua posição narcísica. Sem a intervenção paterna, o sujeito é submetido ao desejo do Outro e tentará preencher a falta no Outro a tal ponto de se tornar asujeitado. Assim é o significante paterno que possibilita que o sujeito saia da posição de objeto de desejo do Outro e se situe em outra posição. No segundo tempo do Édipo o sujeito é desalojado de seu lugar narcísico para assumir outro lugar na dialética do desejo na qual se situa no terceiro tempo lógico do Édipo.

No terceiro tempo, o sujeito constitui-se em seu projeto subjetivo por uma escolha forçada, na qual deve fazer somente uma escolha. Se escolher a via dos significantes (linguagem) receberá um nome próprio que o marcará para sempre. Porém este nome não cumpre a função de realizar a síntese do ser, a inscrição do nome é uma convenção um acordo ou contrato social que é firmado para designar um dito sobre o sujeito a ponto de fazê-lo reconhecer-se e dar-se ao reconhecimento. Assim, o nome próprio é mediado pela metáfora do nome do pai, a qual o sujeito é circunscrito na dialética do desejo. Na neurose o pai é aquele que nomeia, na psicose, o nome do pai é foracluido. Desse modo, o psicótico é desabonado da nomeação, por isso ele delira . O delírio já seria uma tentativa de inscrever o nome próprio sem o nome do pai, ou seja, ele tem que ser o pai do próprio nome. A arte seria uma saída para o psicótico, pois ele teria que assinar a sua obra e constituir um nome. Nesse caso, o psicótico tem que parir o próprio nome. Essa questão clareia toda a clínica das psicoses.

Conforme Lacan, “mas há o momento anterior, no qual o pai entra em função como privador da mãe, isto é, perfila-se por trás da relação da mãe com o objeto de seu desejo como aquele que castra, coisa que digo apenas entre aspas, pois o que é castrado, no caso não é o sujeito, e sim a mãe”. (1999., p.191).

Nesta perspectiva, que se difere da psicologia do desenvolvimento, o ser surge de fora, a partir de um discurso Outro, este sujeito surge antes mesmo de seu nascimento, pois o sujeito enquanto “ente” já é subjetivado no discurso do Outro, este sujeito muito antes de ser sujeito é sujeito do desejo do Outro, causado pelo discurso que o faz surgir como projeto inacabado dado a se cumprir por um ato de amor entre dois corpos em sua relação mais sublime.

3º TEMPO DO ÉDIPO

Trabalhar estas questões de maneira subversiva não seria um mero esforço de incluir o sujeito no laço social desarticulando toda uma organização social que rege a constituição do sujeito? Se em Descartes é a certeza que recria a verdade, porque não obscurecer a certeza e trazer de volta o paradoxo como forma de suscitar os espíritos descontentes e incluir o equivoco como forma de certeza mais clara e dialética. É exatamente isso que permite que o sujeito saia ileso de sua condição de objeto do Outro para se opor a esta posição de assujeitamento. Nesse caso é preciso um elemento terceiro no jogo dialético para que a equivocação venha se estabelecer.

É preciso um tempo lógico para se manifestar um sujeito que advêm do simbólico, sujeito do desejo, submetido ao discurso da metáfora paterna, sujeito dividido entre o dito e o impossível de dizer. Indiferente a certeza, este sujeito é sujeito que fica marcado pelo acesso a uma linguagem lógica, constituída por metáfora na qual subverte o gozo do Outro materno e desvincula o sujeito da certeza de ser o objeto deste Outro.

No terceiro tempo do Édipo o sujeito passa pela castração e se constitui pelos sintomas, atos falhos, chistes e recalcamentos. Diante dessa perda impossível de simbolizar, o sujeito se torna sujeito dividido, barrado por sua falta-a-ser. Pressupondo as formações de seu inconsciente, este sujeito passa a ser sujeito de desejo, desiderium que se encontra nos intervalos da linguagem, na qual tenta representá-lo. O sujeito então é sujeito da falta, falta que permite que este “ser” se situe na diferença dos sexos e se posicione diante do desejo como ser desejante. A metáfora do nome do pai, referente à lei, permite ao sujeito sair da posição imaginária para a simbólica, o convocado a deixar de ser o objeto de amor do Outro para tê-lo no infin ito semântico. É a dialética do ser e do ter que pressupõe ao sujeito uma nova nomeação a qual e dada como simbólica.

Conforme Jacques Lacan,

No entanto, o pai entra em jogo, isso é certo, como portador da lei, como proibidor do objeto que é a mãe. Isso, como sabemos, é fundamental, mas está totalmente fora de questão, tal como esta é efetivamente introduzida para a criança. Sabemos que a função do pai, o Nome do Pai, está ligada á proibição do incesto, mas ninguém jamais pensou em colocar no primeiro plano do complexo de castração o fato de o pai promulgar efetivamente a lei da proibição do incesto. (1999., p.194).

É a metáfora do nome do pai, pressuposto da lei, que vem destituir o incesto e permitir que o sujeito tenha acesso a uma linguagem lógica que tem a função de tirar o sujeito do mundo da natureza (processo imaginário) para o mundo da cultura (processo simbólico). Emfim é o terceiro tempo do Édipo que situa o sujeito em uma posição adequada, ou seja, este deixa de ser o suposto objeto de gozo da mãe para assumir sua própria falta. Para não concluir afirmamos que é o dito do pai que recorta o corpo da criança e faz surgir às zonas erógenas. Logo, esse corpo deixa de ser um corpo anatômico para ser um corpo banhado pela linguagem, pelos significantes que o representam como sujeito do discurso. Assim o corpo é alfabetizado e construído pela l ógica da castração que situa o sujeito como sujeito de desejo.